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Manual de Boas Maneiras

Atualizado: 9 de ago. de 2021

Por Patrícia Croitor, 19 de julho de 2020


Quando eu tinha mais ou menos 10 anos minha avó me presenteou com o Guia de Boas Maneiras, do jornalista Marcelino de Carvalho, conhecido como o “mestre da etiqueta” nos anos 50 e décadas seguintes.

No prefácio à 12a edição, publicada em 1977, Marcelino fala da “vida trepidante, veloz, inquieta”, tão diferente do mundo de “nossos avós e nossos pais”. Mundo em que a velocidade substituiu os “vagares de outrora, em que a cordialidade e a civilidade cederam lugar à agressividade e a indelicadeza, em que a sensibilidade, aos poucos, vai sendo esmagada pelo materialismo desconcertante (...)”. Ele prossegue lastimando-se pelo “desleixo no modo de falar, de apresentar-se, de comportar-se”.

Lembrei desse livro no final do mês de março, quando a escola dos meus filhos iniciou o programa de videoaulas e tutorias online. Pensei em como Marcelino prefaciaria a edição de 2020 de seu manual diante desse nosso mundo um tanto mais trepidante, veloz e inquieto que o dos idos da década de 70.

Chamei meus dois nativos digitais para um papo sobre “etiqueta” e eu fui me enchendo de orgulho à medida em que eles mesmos iam chegando a conclusões quanto ao comportamento adequado em uma “live”. Mas, na prática, a teoria é outra!

Antes do início das aulas no novo formato, a escola preparou sessões de orientações e recomendações, basicamente explicando em que situações abrir a câmera e o áudio, como usar o aplicativo para localizar as aulas, como usar o chat adequadamente, como fazer perguntas durante a explicação, entre outras instruções mais técnicas.

Na minha cabeça as perguntas eram: como conciliar crianças com o spam de atenção de um peixinho dourado, vivendo uma situação absolutamente inusitada de confinamento por conta da pandemia com as aulas online, se mesmo adultos experientes já viraram memes por usar o banheiro sem desconectar a câmera na vídeo conferência, por cair no sono durante uma sessão de trabalho, entrar na reunião sem camisa e, sem perceber, usar filtros de cachorrinhos durante a transmissão de uma missa? Leia aqui

Como lidar com crianças de 6 e 7 anos, em pleno processo de consolidação da alfabetização, que chamam “ô prô!” em média 15 vezes a cada meia hora? Como prender a atenção dos pré- adolescentes, exímios na arte da conversa paralela, à exposição do conteúdo, sem dispor do talento do youtuber Felipe Neto frente à câmera? Como conciliar a necessidade de interação dos alunos entre si e com a professora com as limitações técnicas se todos resolvessem interagir ao mesmo tempo?

Essas são indagações ainda sem respostas definitivas. Estamos todos tateando e descobrindo nossa capacidade de adaptação a esse novo formato. E, como o ensino híbrido parece fazer parte do “novo normal” (quem ainda aguenta ouvir esse termo?), eu escolho ver os efeitos positivos dessa experiência: em geral nunca houve tanta proximidade entre as famílias e as escolas e isso trouxe, antes tarde do que nunca, um maior reconhecimento, por parte dos pais, do fundamental trabalho dos professores. Além disso, antes vista como uma voraz devoradora de tempo com futilidades, a tecnologia está finalmente encontrando seu lugar de aliada na educação.

Desejo que essa situação extrema nos leve a valorizar mais o que de fato tem valor (professores, amigos, encontros, abraços) e a investir mais tempo e energia aprendendo a transitar no mundo digital com cordialidade, gentileza, sem “desleixo no modo de falar, de apresentar-se, de comportar-se”, como diria o mestre Marcelino de Carvalho.

Patrícia Croitor, mãe de dois, advogada especializada em Propriedade Intelectual e Direito Digital, idealizadora do projeto Impressão Digital – Educação para Cidadania, voltado para as famílias, educadores e crianças e adolescentes


Crédito da Imagem: ©2020, Patrícia Croitor

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